Ricardo Gomes, o mais bem sucedido representante português em campeonatos internacionais de jogos de tabuleiro, aceitou responder ao nosso desafio: quais os jogos com competições que recomenda? Eis as suas recomendações: Tendo sido um jogador extremamente competitivo, este é um tema que sempre me agradou, daí ter acedido prontamente ao convite recebido; no entanto, em termos competitivos há dois caminhos completamente distintos, o dos jogos multiplayer e o dos jogos a dois jogadores, razão pela qual preparei duas listagens diferentes. Jogos multiplayer Catan Com nacionais, europeus, mundiais e modalidade olímpica MSO Jogo perfeito para competições, dado o nível de interação que gera e o número diferente de valências que é necessário um jogador dominar para poder vencer constantemente. O jogo é sempre diferente e o fator sorte existe, mas é relativo; tem a particularidade de ser o jogo mais jogado à escala internacional e por isso ter todo o tipo de competições, com níveis de organização rigorosos e muito caprichados. Stone Age Modalidade olímpica MSO (em tempos houve mundiais) O meu preferido e o melhor jogo que conheço. Para se ser um bom jogador deste “worker placement”, que tem uma arte e componentes fantásticos, é necessário controlar perfeitamente duas situações de jogo: 1 – Saber jogar nos intervalos da chuva – ou seja, adaptar-se constantemente à evolução do jogo e às escolhas dos adversários, evitando conflitos, colecionando o que eles não querem, bem colecionado. 2 – Saber controlar o apetite, prevendo cada movimentação dos adversários, intervindo no momento certo e evitando uma vez mais o conflito descarado. 7 Wonders Modalidade olímpica MSO Excelente jogo de draft, com uma forte componente estratégica e dedução, aliada à memória, pois, tal como na maior parte dos jogos desta mecânica, é necessário adivinhar o que os outros vão querer para eles, para sabermos quais as cartas que irão regressar à nossa mão mais à frente; se a isto juntarmos uma capacidade de decorar a composição de cada mão que vamos vendo, tudo fica mais fácil. Competitivamente é jogado a 4 ou 5 jogadores, mas funciona bem de 3 a 7 e até é jogável a dois jogadores, embora como variante. Marco Polo Modalidade olímpica MSO Números altos nos dados dão jeito, mas não são imperativos neste “dice placement” assimétrico, onde retirar o máximo proveito das características da nossa personagem é a chave do jogo, ou seja, havendo 8 diferentes, é necessário saber jogar muito bem com 7 para se ser um “globetrotter” de Marco Polo, pois poderemos ter de escolher uma de duas, caso sejamos o último a fazê-lo. Outra dos requisitos fundamentais é saber analisar a distribuição das cartas no tabuleiro, conhecendo as combinações possíveis, pois o panorama muda a cada partida. Ticket to Ride Modalidade olímpica MSO (em tempos houve mundiais) O mais simples dos jogos que aqui estou a indicar, mas com uma profundidade estratégica fantástica, aliada a uma combinação de uma infinidade de fatores, como a leitura do jogo dos adversários, a memória, para sabermos as cartas que têm na mão, e a questão principal: o timing! Neste jogo, o timing é tudo… Em tempos houve mundiais, mas a desqualificação do último campeão mundial, por razões de batotice, parece ter levado a detentora dos direitos a abandonar a ideia. A 2 jogadores Carcassonne Com nacionais, mundiais e modalidade olímpica MSO Apesar de ser um jogo que permite partidas entre 2 a 5 jogadores, quando disputado em competições costuma ser “head-to-head”, por isso aqui o incluo, até porque nas partidas a 2 o jogo transforma-se num duelo matemático, com um potencial de análise estatística e probabilística que chega a parecer um “Xadrez”. Como é o segundo jogo mais popular do planeta, o nível organizativo é já muito apreciável e ser um bom jogador de Carcassonne requer muito treino e estudo. Hive Modalidade olímpica MSO (em tempos houve nacional) Engana com a sua simplicidade, pois é um jogo extremamente estratégico e de fator sorte inexistente. Tem duas estratégias que podem funcionar muito bem, ou muito mal, pois se não forem bem aplicadas, são kamikaze: 1 – Atacar do primeiro ao último instante, praticamente só vendo o objetivo final de circundar a abelha adversária. 2 – Defender do primeiro ao último instante, abdicando completamente do ataque, até que o adversário se “renda” por exaustão e impossibilidade de movimentos, altura em que com poucas jogadas se ataca tudo de uma vez só. Abalone Modalidade olímpica MSO (em tempos houve nacional) Se jogado como vem nas regras do jogo, é uma perda de tempo, pois os jogadores empatam-se uns aos outros quando ambos sabem jogar; por isso é necessário o uso de uma das configurações oficiais de competição para termos um jogo a sério… e que jogo! Quando usado o setup “Belgian Daisy” o jogo fica fluído, permitindo ataques desde a primeira movimentação, o que complica muito a formação da tática da tartaruga (juntar todas as bolas e movimentá-las em bloco unido), que é praticamente invencível se disposta em hexágono, embora não tão forte se triangular. Hoje em dia perde muito para os jogos coloridos, temáticos, com componentes modernos e muito mais versáteis no número de jogadores, que são bem mais apelativos, compreensivelmente. Trench Modalidade olímpica MSO (em tempos houve nacionais) É como que um xadrez, com menos variedade de peças e uma jogabilidade mais simples e rápida, embora igualmente profunda estrategicamente, com a vantagem de já se sentir alguma temática, apesar de ser um jogo abstrato, não só visualmente, mas também na sua essência. Para se ser um bom jogador de Trench é preciso planear com várias jogadas de antecedência e tirar o máximo proveito da trincheira, uma linha que separa os dois territórios, que trás benefícios (capturar em cadeia) e prejuízos (a vulnerabilidade da retaguarda). É o único jogo português desta listagem! Exploradores Modalidade olímpica MSO
Procura ter um pouco de tema e isso ajuda-o a ir à mesa com maior facilidade e a ser um dos jogos mais jogados a 2 jogadores. Tem um fator sorte indissociável (outra razão que atrai mais adeptos) e, por isso, costuma ser jogado à melhor de 3 jogos, apesar de a sorte não ser predominante face à mestria. É um jogo que requer uma adaptação constante e que, em caso de desespero, pode sempre beneficiar do perfil “gambler”, embora grande parte das jogadas seja por natureza feita às cegas e com uma “fezada” num final feliz… A arte das cartas é excecional e o seu tamanho também ajuda a que este já “clássico” não passe de moda.
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Desafiamos Orlando Sá, criador dos reconhecidos jogos “Adamastor” e “Porto” e responsável pelo canal/blog The Blackboard, a sugerir 5 jogos de tabuleiro que, não sendo propriamente recentes, serão indispensáveis numa colecção. Todos os anos, somos bombardeados com milhares de jogos novos. O culto do novo ofusca muitas vezes os brilhantes jogos que temos nas nossas prateleiras e, muitas vezes, esquecemo-nos da sua enorme qualidade. Por isso, a convite do Carlos Ramos, deixo aqui a minha lista de “clássicos modernos” ordenados cronologicamente. Race for the Galaxy (2007)O Race for the Galaxy, assim como o San Juan, pegaram no conceito do Puerto Rico onde cada jogador escolhe um personagem e todos os jogadores fazem a acção desse personagem, mas o jogador que o escolheu tem um bonus. Em Race, não escolhemos um personagem, mas sim um tipo de acção: Explorar, Desenvolver Tecnologias, Colonizar Planetas, Vender Recursos ou Produzir Recursos. Como cada jogador escolhe secretamente uma acção a executar, existe toda uma dimensão de tentar antecipar o que os outros vão fazer de forma a estarmos preparados para executar essas mesmas acções caso outros jogadores as escolham. Race é um dos melhores engine builders, onde vamos construindo um tableau com planetas colonizados e tecnologias desenvolvidas, onde cada carta activará o seu poder especial caso a acção requerida para esse efeito tenha sido escolhida por outro jogador. O jogo é simplesmente fantástico e a primeira expansão (The Gathering Storm) é essencial. Para além de cartas novas, introduz um modo solo que é uma obra prima de criação. Agricola (2007)Até hoje, provavelmente o melhor Uwe. De regras simples e elegantes, este simulador de agricultura de subsistência em pleno período medieval, dá-nos imensas possibilidades e quase tempo nenhum para as concretizar. A gestão das cartas na mão é essencial e a cada jogo a rejogabilidade é brutal devido ao alargado número de cartas que o jogo traz. Muita gente prefere alguns dos jogos mais recentes do Uwe onde as “amarras” não se sentem tanto e onde a fartura abunda. Eu não poderia estar mais em desacordo. Essa asfixia é o que faz este jogo absolutamente genial. O esforço mental de tentar criar uma estratégia baseada nas cartas que temos na mão para podermos escapar à pobreza existencial, torna este joga num paradigma onde o tema se casa perfeitamente com os mecanismos. Isso e a variedade das cartas que ele traz e que eu aconselho a serem escolhidas através de um draft no início de cada partida. 7 Wonders (2010)Absolutamente fabuloso como jogo que pode agradar a gamers como a não-gamers. Um jogo de entrada no hobby que traz tanta riqueza de opções que faz com que cada partida seja diferente. O draft de cartas cria uma interacção muito grande entre os jogadores, pois por vezes é mais benéfico jogar uma carta menos boa para nós só para evitar que ela chegue ao jogador ao nosso lado. Dá para jogar com um elevado número de pessoas e tem uma panóplia de expansões que enriquecem o jogo (excepto talvez a Babel que choca um pouco com a essência do jogo). Agora vejo-me radiante a explorar a nova expansão Armada e a frescura que ela introduz no jogo. Afinal de contas, que outro jogo de estratégia permite que joguemos com 6 outros jogadores num espaço de apenas 30 minutos e que cheguemos ao final com a sensação de que criamos uma pequena civilização? Troyes (2010)Para mim o melhor dice drafter que joguei até hoje. Com regras simples e elegantes, Troyes é o exemplo perfeito daquilo que eu considero um euro onde tudo faz sentido: temática e mecanicamente. Por vezes os designers de jogos mais complexos, sentem-se mais à vontade de adicionar pequenas regras e nuances porque o público alvo assim as aceita, mas quase sempre isso surge como resposta a problemas específicos e poucas vezes com um enquadramento global. Por isso admiro profundamente jogos complexos de estratégia que o são porque nos carregam de decisões interessantes ao invés de nos carregarem de regras e regrinhas. É refrescante pegar no Troyes seis meses depois da última partida e não ter que estar a reler durante uma hora o livro de regras. Poderia colocar aqui também o Concordia (2013) nesta categoria de euros elegantes, carregados de boas decisões. Mas escolho o Troyes pela altíssima rejogabilidade que as cartas das profissões introduzem. E se estiverem com vontade de o jogar a solo para apreciar o requinte do seu design, o lendário Shadi Torbey (Onirim) criou uma versão solo bastante desafiadora. Mage Knight (2011)Talvez o melhor jogo solo feito até hoje. Talvez o jogo que melhor casa os mecanismos dos euros com o tema de exploração num universo fantasioso. Talvez a obra prima da mente daquele que é, pelo menos para mim, o mais brilhante criador de jogos na actualidade: Vlaada Chvátil. Um criador tão flexível quanto inspirador, que nunca se deixou assentar na facilidade de criar o mesmo tipo de jogos, para o mesmo tipo de público. Um criador que explora os limites do espaço criativo como ninguém. Mage Knight é complexo, intrincado, desafiador e cheio de regras e regrinhas. Aquelas mesmas que acabei de criticar acima mas que criam uma envolvência temática de tal amplitude que sou obrigado a percorrer esse purgatório de reler o livro de regras de cada vez que ele vai à mesa. Mas ao contrário de muitos outros euros, é um prazer ler através dessas páginas de difícil acesso porque o conteúdo que delas emana é irresistível. Um euro como nenhum outro. Um jogo de fantasia como nenhum euro. O meu jogo solo número um.
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